Lei n.º 93/2021, de 21 de dezembro de 2021
Estabelece o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de
Infrações - RGPDI
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Transpõe a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União – Whistleblowing.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO
1 - Para efeitos da presente lei, considera-se infração:
a) O
ato ou omissão contrário a regras constantes dos atos da União Europeia
referidos no anexo da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do
Conselho, a normas nacionais que executem, transponham ou deem cumprimento a
tais atos ou a quaisquer outras normas constantes de atos legislativos de
execução ou transposição dos mesmos, incluindo as que prevejam crimes ou
contraordenações, referentes aos domínios de:
i)
Contratação pública;
ii) Serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção
do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;
iii) Segurança e conformidade dos produtos;
iv) Segurança dos transportes;
v) Proteção do ambiente;
vi) Proteção contra radiações e segurança nuclear;
vii) Segurança dos alimentos para consumo humano e
animal, saúde animal e bem -estar animal;
viii) Saúde pública;
ix) Defesa do consumidor;
x) Proteção da privacidade e dos dados pessoais e
segurança da rede e dos sistemas de informação;
b) O ato ou omissão contrário e lesivo dos interesses
financeiros da União Europeia a que se refere o artigo 325.º do Tratado
sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), conforme especificado nas
medidas da União Europeia aplicáveis - responsabilidade partilhada entre os
Estados-Membros e a União na tomada de medidas na luta contra as fraudes
lesivas dos interesses financeiros da União.
c) O ato ou omissão contrário às regras do mercado
interno a que se refere o n.º 2 do artigo 26.º do TFUE, incluindo as
regras de concorrência e auxílios estatais, bem como as regras de fiscalidade
societária - O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no
qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos
capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados.
d) A criminalidade violenta, especialmente violenta e
altamente organizada, bem como os crimes previstos no, n.º 1 do artigo 1.º
da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro que estabelece medidas de combate à
criminalidade organizada e económico –financeira:
a) Tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos
21.º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;
b) Terrorismo, organizações terroristas, terrorismo
internacional e financiamento do terrorismo;
c) Tráfico de armas;
d) Tráfico de influência;
e) Recebimento indevido de vantagem;
f) Corrupção ativa e passiva, incluindo a praticada nos
setores público e privado e no comércio internacional, bem como na atividade
desportiva;
g) Peculato;
h) Participação económica em negócio;
i) Branqueamento de capitais;
j) Associação criminosa;
l) Pornografia infantil e lenocínio de menores;
m) Contrafação, uso e aquisição de cartões ou outros
dispositivos de pagamento contrafeitos e respetivos atos preparatórios,
aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento obtidos mediante crime
informático, dano relativo a programas ou outros dados informáticos e sabotagem
informática, nos termos dos artigos 3.º-A, 3.º-B, 3.º-C, 3.º-D, 3.º-E, 4.º e
5.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, e ainda o acesso ilegítimo a
sistema informático, se tiver produzido um dos resultados previstos nas alíneas
a) e b) do n.º 5 do artigo 6.º daquela lei, for realizado com recurso a um dos
instrumentos referidos no n.º 2 do mesmo artigo, ou integrar uma das condutas
aí tipificadas;
n) Tráfico de pessoas;
o) Contrafação de moeda e de títulos equiparados a moeda;
p) Lenocínio;
q) Contrabando;
r) Tráfico e viciação de veículos furtados.
DENUNCIANTE
(Whistleblower)
A pessoa singular que denuncie ou divulgue publicamente
uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade
profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é
exercida, é considerada Denunciante.
É considerado Denunciante e beneficia de proteção
enquanto tal, a pessoa singular que faz uma denúncia ou divulgação pública de
uma infração com fundamento em
informações obtidas numa relação profissional entretanto cessada, bem
como durante o processo de recrutamento ou
durante outra fase de negociação pré-contratual de uma relação
profissional constituída ou não
constituída.
Nomeadamente:
a) Os trabalhadores do setor privado, social ou público;
b) Os prestadores de serviços, contratantes,
subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão
e direção;
c) Os titulares de participações sociais e as pessoas
pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de
supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;
d) Voluntários e estagiários, remunerados ou não
remunerados
CONDIÇÕES DE PROTEÇÃO
Beneficia da proteção conferida pela presente lei o
denunciante que,
• de
boa-fé, e tendo
• fundamento
sério para crer que as informações são, no momento da denúncia ou da divulgação
pública, verdadeiras,
• denuncie
ou divulgue publicamente uma infração nos termos estabelecidos
As denúncias podem ser apresentadas através de três
meios:
- Canal
de denúncia interna;
- Canal
de denúncia externa, ou seja, às autoridades que, de acordo com as
suas competências devam ou possam conhecer da matéria objeto da denúncia,
MP, órgãos de polícia criminal, autoridades administrativas;
- Divulgação
pública
- O
denunciante só pode recorrer a canais de denúncia externa quando:
- a)
Não exista canal de denúncia interna;
- b)
O canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denúncias por
trabalhadores, não o sendo o denunciante;
- c)
Tenha motivos razoáveis para crer que a infração não pode ser eficazmente
conhecida ou resolvida a nível interno ou que existe risco de retaliação;
- d)
Tenha inicialmente apresentado uma denúncia interna sem que lhe tenham
sido comunicadas as medidas previstas ou adotadas na sequência da denúncia
nos prazos previstos no
- artigo
11.º; ou
- e)
A infração constitua crime ou contraordenação punível com coima superior a
50 000 €.
Divulgação Pública
O Denunciante só pode divulgar publicamente uma infração
quando tenha motivos razoáveis para crer que:
• a infração pode constituir um perigo iminente
ou manifesto para o interesse público;
• a infração não pode ser eficazmente conhecida
ou resolvida pelas autoridades competentes;
• existe
um risco de retaliação inclusivamente em caso de denúncia externa;
• tenha
apresentado uma denúncia interna e/ou uma denúncia externa, sem que tenham sido
adotadas medidas adequadas nos prazos previstos para o efeito.
• Artigo
8.º RGPDI
• Obrigação
de estabelecer canais de denúncia interna
• 1
- As pessoas coletivas, incluindo o Estado e as demais pessoas coletivas de
direito público, que empreguem 50 ou mais trabalhadores e, independentemente
disso, as entidades que estejam contempladas no âmbito de aplicação dos
atos da União Europeia referidos na parte i.B e ii do anexo da Diretiva (UE)
2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, doravante designadas por
entidades obrigadas, dispõem de canais de denúncia interna.
• As
entidades obrigadas que não sejam de direito público e que empreguem entre 50 e
249 trabalhadores podem partilhar recursos no que respeita à receção de
denúncias e ao respetivo seguimento.
Características dos canais de denúncia interna
Os canais de denúncia interna permitem a apresentação e o
seguimento seguros de denúncias, a fim de garantir :
• exaustividade,
• integridade
• conservação
da denúncia
• a
confidencialidade da identidade
• ou
o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade da identidade de terceiros
mencionados na denúncia
• impedir
o acesso de pessoas não autorizadas.
• Canais
de denúncia interna
• Os
canais de denúncia interna são operados internamente, para efeitos de receção e
seguimento de denúncias, por pessoas ou serviços designados para o efeito
• Os
canais de denúncia podem ser operados externamente, para efeitos de receção de
denúncias.
Deve ser garantida:
• A
independência,
• A imparcialidade,
• A
confidencialidade,
• A
proteção de dados,
• O sigilo
• A
ausência de conflitos de interesses no desempenho das funções
Forma e admissibilidade da denúncia interna
1 - Os canais de denúncia interna permitem, designadamente,
a apresentação de denúncias,
• por escrito e ou verbalmente
• anónimas ou
• com
identificação do denunciante.
2 - Caso seja admissível a denúncia verbal, os canais de
denúncia interna permitem a sua apresentação por telefone ou através de outros
sistemas de mensagem de voz e, a pedido do denunciante, em reunião presencial.
3 - A denúncia pode ser apresentada com recurso a meios
de autenticação eletrónica com cartão de cidadão ou chave móvel digital, ou com
recurso a outros meios de identificação eletrónica emitidos em outros
Estados-Membros, desde que, em qualquer caso, os meios estejam disponíveis.
Fases de Implementação dos Canais de Denúncia nas
Organizações:
1) Definição de um Procedimento Interno de Denúncias –
Processos de receção e tratamento de denúncias;
2) Implementação de Políticas de Proteção de Denunciantes em
conformidade com a política de proteção de dados pessoais em vigor na
organização, documentação associada e respetivo procedimento interno;
3) Definição do responsável/equipa pela gestão do canal de
denúncias (interna e/ou externa) e respetivas responsabilidades em compliance
com o RGPD.
4) Implementação dos canais de denúncia e canais
complementares para a receção de denúncias (ex. telefone, reuniões presenciais,
e-mail, site),
5) Formação e sensibilização dos principais colaboradores
intervenientes no sistema de proteção de denunciantes da organização.
6) Criar um procedimento de arquivo e de toda a documentação
relativa à implementação do sistema de proteção de denunciantes para eventuais
processos de validação e cumprimento dos prazos de conservação obrigatórios.
FASES PROCESSUAIS DOS CANAIS DE DENÚNCIA INTERNA:
1) Receção
(Interna/externa)
2) Apreciação
Preliminar
3) Instrução
4) Decisão/Relatório
Final
PRAZOS
7 DIAS
As entidades obrigadas
notificam, no prazo de sete dias, o denunciante da receção da denúncia e
informam-no, de forma clara e acessível, dos requisitos, autoridades
competentes e forma e admissibilidade da denúncia externa
3 MESES
As entidades obrigadas
comunicam ao denunciante as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à
denúncia e a respetiva fundamentação, no prazo máximo de três meses a contar da
data da receção da denúncia
15 DIAS
O denunciante pode requerer, a
qualquer momento, que as entidades obrigadas lhe comuniquem o resultado da
análise efetuada à denúncia no prazo de 15 dias após a respetiva
Conclusão
5 ANOS
Prazo de Conservação de
denúncias:
As entidades obrigadas e as autoridades
competentes responsáveis por receber e tratar denúncias ao abrigo da presente
lei devem manter um registo das denúncias recebidas e conservá-las, pelo menos,
durante o período de cinco anos e, independentemente desse prazo,
durante a pendência de processos judiciais ou administrativos referentes à
denúncia.
Tratamento de Dados Pessoais
O tratamento de dados pessoais ao abrigo
da presente lei, incluindo o intercâmbio ou a transmissão de dados pessoais
pelas autoridades competentes, observa o disposto no Regulamento Geral sobre a
Proteção de Dados e legislação conexa
Os dados pessoais que manifestamente não
forem relevantes para o tratamento da denúncia não são conservados, devendo ser
imediatamente apagados
Denúncia Externa
Autoridades competentes
As denúncias externas são apresentadas
às autoridades que, de acordo com as suas atribuições e competências, devam ou
possam conhecer da matéria em causa na denúncia, incluindo:
a) O Ministério Público;
b) Os órgãos de polícia criminal;
c) O Banco de Portugal;
d) As autoridades administrativas
independentes;
e) Os institutos públicos;
f) As inspeções -gerais e entidades
equiparadas e outros serviços centrais da administração direta do Estado
dotados de autonomia administrativa;
g) As autarquias locais; e
h) As associações públicas.
Medidas de Proteção do Denunciante:
Proibição de retaliação
É
proibido praticar atos de retaliação contra o denunciante.
Considera-se ato de retaliação o
ato ou omissão que, direta ou indiretamente, ocorrendo em contexto profissional
e motivado por uma denúncia interna, externa ou divulgação pública, cause ou
possa causar ao denunciante, de modo injustificado, danos patrimoniais ou não
patrimoniais.
Presumem-se motivados por denúncia
interna, externa ou divulgação pública, até prova em contrário, os seguintes
atos, quando praticados até dois anos após a denúncia ou divulgação pública:
a) Alterações das condições de trabalho,
tais como funções, horário, local de trabalho ou retribuição, não promoção do
trabalhador ou incumprimento de deveres laborais;
b) Suspensão de contrato de trabalho;
c) Avaliação negativa de desempenho ou
referência negativa para fins de emprego;
d) Não conversão de um contrato de
trabalho a termo num contrato sem termo, sempre que o trabalhador tivesse
expectativas legítimas nessa conversão;
e) Não renovação de um contrato de
trabalho a termo;
f) Despedimento;
g) Inclusão numa lista, com base em
acordo à escala setorial, que possa levar à impossibilidade de, no futuro, o
denunciante encontrar emprego no setor ou indústria em causa;
h) Resolução de contrato de fornecimento
ou de prestação de serviços;
i)
Revogação de ato ou resolução de contrato
administrativo, conforme definidos nos termos do Código do Procedimento
Administrativo.
A sanção disciplinar aplicada ao
denunciante até dois anos após a denúncia ou divulgação pública presume-se
abusiva.
Medidas de Apoio
• Os denunciantes têm direito, nos termos
gerais, a proteção jurídica.
• Os
denunciantes podem beneficiar de medidas para proteção de testemunhas em
processo penal.
• As
autoridades competentes prestam o auxílio e colaboração necessários a outras
autoridades para efeitos de garantir a proteção do denunciante contra atos de
retaliação, inclusivamente através de certificação de que o denunciante é
reconhecido como tal ao abrigo da presente lei, sempre que este o solicite.
Proteção da pessoa visada
O regime previsto na presente lei não
prejudica quaisquer direitos ou garantias processuais reconhecidos, nos termos
gerais, às pessoas que, na denúncia ou na divulgação pública, sejam referidas
como autoras da infração ou que a esta sejam associadas, designadamente a
presunção da inocência e as garantias de defesa do processo penal.
O disposto na presente lei relativamente
à confidencialidade da identidade do denunciante é também aplicável à
identidade dos denunciados.
Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2021, de 6 de abril – Aprova a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024
(link)
Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro – Cria o Mecanismo Nacional Anticorrupção e estabelece o Regime Geral de Prevenção da Corrupção
(link)
Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro – Aprova medidas previstas na Estratégia Nacional Anticorrupção, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal e leis conexas
(link)
Portaria n.º 164/2022, de 23 de junho – Regula a instalação do Mecanismo Nacional Anticorrupção
(link)
Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de outubro de 2019 – Proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União
(link)