Atendendo à fisiopatologia deste sindroma (complexidade, sensitização e multiorganicidade fisiopatológica) o futuro da sua terapêutica é imprevisível. Provavelmente vamos assistir ao desenvolvimento de fármacos tecnologicamente mais sofisticados, mas beneficiaremos também de uma melhor utilização dos actualmente existentes, adaptando as estratégias do seu uso à complexidade da afecção. A abordagem mecanicista tão habitual em outras patologias (utilização de um fármaco ou técnica terapêutica que corrige o defeito causador da doença), herdada das engenharias, é inapropriada na fibromialgia, que tal como outros quadros clinicos (insuficiência cardíaca, por exemplo) se caracteriza mais pela complexidade da sua apresentação do que pela(s) causa(s) subjacente(s). Dado o carácter caótico de muitos dos processos biológicos desta afecção, é de esperar que até pequenas modificações nas suas condições de funcionamento tenham amplas repercussões na expressão clínica (o chamado efeito borboleta), nem sempre no sentido pretendido. Por outro lado, as múltiplas relações de feedback (positivo e negativo) entre os diferentes sistemas orgânicos envolvidos, obriga a estudar a acção dos fármacos utilizados não apenas a juzante da via biológica em que actuam, mas também a montante dessa via e do sistema orgânico que a comporta, numa adaptação o mais rigorosa possível do tratamento à complexidade da fisiopatologia.
A Reumatologia não pode alhear-se destes doentes e limitar-se, como muitos defendem e praticam, a instituir ou confirmar o diagnóstico e reenviá-los à Medicina Familiar. São doentes difíceis e geralmente insatisfeitos com o resultado das intervenções terapêuticas mas muitos deles podem ser ensinados a colaborar no seu tratamento, responsabilizando-se pela gestão de uma carteira de medicamentos que o seu Reumatologista lhes deve disponibilizar, dando-lhes uma autonomia relativa que podem exercer de acordo com os aspectos qualitativos e quantitativos dos sintomas (em especial da dor) que vão referindo em cada momento. Esta capacidade de controle sobre a sua doença (empowerment) aumenta o seu grau de satisfação e reduz o fenómeno da catastrofização, uma das características psicológicas mais pejorativas nas doenças crónicas.
É apresentada uma proposta de utilização dos fármacos aprovados para o tratamento desta afecção e de outros cujo uso está alicerçado na prática clínica, de acordo com o racional da sua utilização actual, e perspectivada a sua validade futura tendo em conta os novos conceitos fisiopatológicos, de uma forma subjectiva, discutível e a discutir, mas representativa de uma vontade de verdade.
Dr. Rui Leitão